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A Casa Onde o Tempo Dorme

  • Por Rafael Mastrocinque
  • 25 de mai. de 2016
  • 4 min de leitura

A garoa desce fina numa terça feira cinzenta, tão retratada como nos tempos de São Paulo como todo o mundo conhece, a “terra da garoa”. Na avenida paulista, dos muitos que não param por questões inquietas da metrópole, sobram aqueles poucos que procuraram abrigo da chuva nas lojas, shoppings compactos e luxuosos, lojas das redes de fast food ou debaixo do vão do MASP. Na avenida mais transformada pelo capital estrangeiro, uma criação híbrida de prédios, culturas e pessoas, sobra uma casa. Uma casa parecida com uma miniatura do Palácio de Versalhes, antiga, mas tão antiga que você pode sentir quando ela treme com o movimento dos veículos pesados da avenida. Ali sobrou um refúgio do que se tornou a vida social do paulista baseada em um espaço de compras ou de serviços, sem ser necessariamente um museu, onde as amostras não passam de três cômodos dos 30 que a casa tem a oferecer, com bibliotecas livres, cursos e palestras gratuitas. Esta é a Casa das Rosas.


Projeta pelo arquiteto Ramos de Azevedo em 1928, a casa foi o último suspiro dos barões de café, com uma estrutura parecida com os palácios da renascença francesa com traços da Art Deco. A casa foi presenteada à sua filha, e até 1986 ela permaneceu particular, até o governo do estado restaurar a casa com planos de fazer daquele luxuoso espaço, um lugar de cultura para os paulistanos, processo muito diferente do que se encontra hoje, onde a cidade cede a sua história e espaços públicos à mercê das grandes construtoras, por exemplo a questão do parque augusta. 1995 a casa passou pela sua última reforma até abrir as portas e se tornar um pequeno museu, e dez anos depois se dedicar inteiramente a poesia e a literatura, junto de uma belíssima arquitetura.


A casa conta com visitantes descompromissados com o ambiente e também com aqueles que renderam o seu tempo à favor da contemplação da casa, há aqueles que passeiam devagar pelos jardins na lateral da casa, há também os casais apaixonados no terraço aberto da casa de ladrilhos coloniais, e até aqueles que usam o ambiente como uma segunda casa, Dona Luiza de 72 anos lê os jornais no último cômodo do segundo andar em algumas segundas feiras, sentada em uma poltrona com tamanha comodidade que poderia chamar aquele espaço de seu, “Aqui é movimentado mas eu encontro um pouco de sossego” explica Dona Luiza.

Nos corredores de madeira se misturam as salas abertas para a exposição da própria casa e salas de aula, dedicadas ao ensino gratuito de cursos relacionados a arte e a literatura, as inscrições limitadas pelos espaços da sala são realizados por ordem de chegada no gabinete do hall de entrada da casa. Do lado de fora de uma das salas esperava um grupo de pessoas, uma dessas pessoas era Marisa de 58 anos, que esperava para ser consultada com o professor de poesia de um dos cursos da casa, era a última aula e os alunos produziram textos durante todo o curso, e finalmente aquele seria o dia da última avaliação, não que a formação dependesse desta última consulta, mas era de enorme importância para o aprendizado daqueles alunos.


Alguns visitantes passam com sacolas carregadas de marcas pelos cômodos da casa, como verdadeiros forasteiros daquele ambiente, boa parte faz da casa um ponto de encontro ou de contemplação, o que foi um desafio destacar algum sentimento terno pelo espaço, pois aqueles que se encontram diluídos aqui, não costumam refletir muito a respeito da escolha daquele espaço, as respostas variam entre o conforto e a tranquilidade que a casa fornece, o foco está nas questões pessoais e objetivas dos encontros, questão tipicamente paulistana.

Do lado de fora da casa fica um café aberto, com mesas de madeira e ao céu aberto, debaixo das sombras dos prédios vizinhos e das árvores, que alcançam a altura da casa, ali a transição de conversas e sons é constante, por apenas alguns instantes presentes destacasse a variedade dos visitantes, homens engravatados, senhoras, jovens tatuados, casais alternativos e etc. As conversas vão desde um acerto de uma apresentação de jazz entre dois rapazes que possivelmente seriam os músicos com uma jovem moça com discursos contratuais, misturado com relatos de um relacionamento complicado de uma jovem moça para o sua amiga, com o papear das garçonetes, chamadas telefônicas de um cliente, fora todo o barulho externo das buzinas, dos musicos de rua e dos ônibus que passam rasgando e abalando as estruturas da casa.


Aqui é o casamento perfeito da arquitetura com a literatura, o espaço ficou conhecido como Espaço Haroldo de Campos em 2004, dedicado desde então a poesia, contando com uma biblioteca com livros raros como as primeiras versões dos livros de João Cabral de Melo Neto e do próprio Haroldo de Campos. A biblioteca é pequena e fica ao lado da entrada para o terraço no segundo andar da casa, não apresenta atrativos visuais que atraia muitos visitantes, ali mais parece um aconchego para aqueles que são mais íntimos da casa.

São Paulo é conhecida por não preservar a sua própria história, conhecida também pelo seu individualismo e priorização dos espaços particulares com construções de shoppings em massa. A Casa das Rosas permanece em um protesto silencioso no coração do território inimigo, dedicado a cultura de forma discreta como um museu não declarado, deixada de lado com as suas cores de aquarela perto das cores vibrantes de led dos prédios vizinhos. Deixada de lado mas ainda é um reduto para o descanso do tempo frenético e objetivo da cidade.


 
 
 

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