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Onde os nerds habitam

  • Samantha Santos
  • 10 de mai. de 2016
  • 5 min de leitura

O verdadeiro mundo dos geeks, gamers e otakus está disfarçado na grande cidade de pedra

Eles são chamados de nerds, mas estão longe de serem meninos e meninas com espinhas, óculos fundo de garrafa e roupas engomadas. Em fato, preferem muito mais outros termos. Os viciados em quadrinhos, ficção científica e tecnologia são os geeks, para os jogadores de vídeo-game, o termo gamer e aqueles aficionados na cultura japonesa, leitores de mangá(quadrinho japonês) e que assistem animes(desenho animado japonês) são os otakus.

Pelas ruas de São Paulo, que diga-se de passagem, é uma cidade que abraça todas as tribos, esse grupo se destaca pelas roupas, mochilas e bolsas com logos dos gêneros que mais gostam e até mesmo fantasias. Mas é dentro das lojas que vendem seus artigos de vício que a comunidade nerd se solta, socializa e compartilha seu amor pela cultura.


Meio escondida em uma rua tranquila abaixo da Avenida paulista, a Comix, provavelmente a loja mais geek de São Paulo, abriga em uma vitrine simples um arsenal de sonhos de consumo para todos os fãs. Os dois andares da loja amontoam desde o básico dos artefatos nerds aos livros mais peculiares para quem joga RPG. Os personagens em miniatura -ou em tamanho real, as prateleiras abarrotadas de HQs(os quadrinhos) do mundo todo e os jogos em exposição são uma tortura e praticamente obrigam o pobre nerd a entrar e comprar tudo o que conseguir pagar ou parcelar em seis vezes.


Dentro, os geeks camuflados como homens barbados com camisa de rock prontos para entrarem em um clube de motociclistas e meninas de vestidos floridos discutem em alto e bom som sobre a guerra nos quadrinhos da editora Marvel, mais e mais pessoas se juntando ao debate caloroso se super-heróis deveriam revelar sua identidade secreta. Enquanto isso, otakus de terno e gravata imploram para os atendentes encontrarem a edição especial de luxo de certo mangá ou anime e os gamers estudantes de direito choram por não poderem pagar o terceiro volume da saga de um jogo novo.


É observando tal agitação que se encontra Maria Nozu. A estudante de análise de desenvolvimento de sistema não está ali pelos quadrinhos ocidentais, mas pelos mangás, e apesar de ter visto os filmes que contam as histórias dos heróis que salvam o mundo sempre, esse não é o seu gênero -“Muito clichê”. Gosta de histórias mais profundas, mais trama, menos batalhas. Tímida, Maria conta que via desde pequena os desenhos na TV aberta. Quando aos doze anos descobriu na banca perto da escola que por trás da animação havia o mangá, decidiu gastar todo o dinheiro na compra das coleções, que continua até hoje, mesmo que tenha que economizar em outras áreas, e muito. “É um vício bem caro que só é mantido por muito amor”.


Ao lado de Maria, está o amigo André Araújo, estudante de engenharia química. Com a camiseta de um jogo ele admite ser um estereótipo ambulante, mas detesta quando o chamam de nerd. “As pessoas te chamam de nerd e logo você é jogado na categoria inteligente, feio e estranho que não tem vida social e não sabe falar com mulheres. Parecem estar te julgando e isso não é legal. Nós só gostamos de coisas diferentes. Isso não nos faz alienígenas como várias séries e filmes famosos nos apresentam”. Ele que sempre adorou quadrinhos se recusa a ver os longa metragens, defendendo que estes estragam completamente as histórias e deixam o público com preguiça de procurar as HQs. Os dois amigos que se conhecem desde o colégio fizeram amizade exatamente por gostarem das mesmas coisas e são companheiros de eventos voltado ao público nerd em São Paulo, como a Comic Con e o Anime Friends, inclusive se fantasiam de personagens de animes, o chamado cosplay. Os dois concordam que não há experiência mais gostosa do que se vestir como seu ídolo imaginário e tirar fotos com pessoas que são tão fãs como eles.


E se na Comix os nerds fazem a festa, no bairro liberdade eles vão a loucura. O coração japonês da capital paulista reúne não só lojas como também karaokês e até mesmo restaurante temáticos para os adoradores. O SoGo Plaza Shopping reúne 130 lojas de artigos relacionados a este mundo. Um prédio sem graça escondido na movimentada e bagunçada rua Galvão Bueno que é de longe o local dos sonhos de qualquer otaku, gamer e geek. Lá você encontra qualquer coisa para a sua coleção ou fantasia, qualquer mesmo. O que os lojistas não têm no estoque eles encomendam nem que seja do Japão. Tudo para fazer o cliente feliz, e mais pobre. Quem aproveita para passear quase todo fim de semana pelo sempre lotado antro da perdição é o casal Samia e Luiz. Nerds com muito orgulho eles se sentem feliz só de andar pelas lojas, mesmo que não comprem nada.


Luiz é o clássico gamer, jogador online, ele pode passar horas em frente a tela do computador sem se cansar fazendo missões em equipe. Quando o assunto é ser chamado de antissocial ele brinca que jogar muito vídeo-game tem seu charme, tanto que até conseguiu uma namorada, mas não se importa com rótulos: “É só um nome, não é como se mudasse minha vida em alguma coisa.”


Samia é assumidamente otaku e quanto mais sanguinários os animes melhor, e deixa claro que animes não são desenhos para criança, mas novelas japonesas como as que temos brasileiras. A auxiliar de classe ama HQs de heroínas, mesmo que fique chateada pelo modo como são retratadas: “Já passou da hora das mulheres deixarem de serem mocinhas em perigo ou bonitonas burras em um maiô. Esse é um péssimo exemplo pra quem lê quadrinhos. Nós queremos nos sentir representadas nas histórias e essas heroínas simplesmente são de um estereotipo terrível e irreal.” Indignada, ela fala também sobre como já sofreu sexismo por fazer parte de uma cultura que um dia foi majoritariamente masculina. “Vendedores já me mandaram comprar histórias de ‘menina’ e me perguntaram se eu sabia do que se tratava o quadrinho que estava levando, como se eu tivesse que provar que era fã de verdade”. Outros já a indagaram se comprava por causa do namorado. Mas Samia vê alegre o cenário mudar para melhor, pois além das super-heroínas ganharem um novo espaço no cinema e em séries para mostrarem do que são capazes, as garotas nerds já não deixam barato nenhum tipo de machismo ou discriminação.


Ser geek, gamer ou otaku ou os três juntos em São Paulo é encontrar um ninho gigante onde todos de alguma forma se conhecem, mesmo que nunca tenham se visto. É passar na rua e reconhecer aquele Button na mochila, aquela camiseta temática, ou aquele papo que você pega de relance no metrô. Mas caso queira achar sua trupe, gastar todo o seu salário, brigar e fazer amizades ao mesmo tempo, vá a loja Comix, alameda Jaú, 1998, Cerqueira César ou ao SoGo Plazza Shopping, na rua Galvão Bueno, 40, na Liberdade. Ou só caminhe a caráter pela Avenida Paulista.


 
 
 

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