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Nordestino, a casa é sua

  • Joyce Farias
  • 10 de mai. de 2016
  • 6 min de leitura

Agreste, sertão e zona da mata se encontram no Largo 13 de Maio, centro comercial da zona sul marcado pelas tradições e o orgulho em ser da terra do baião

No Largo 13 de Maio, na zona sul da Capital, Pedro Bianco se sente mais perto de suas origens. O baiano de Porto Seguro está em São Paulo há mais de 30 anos, grande parte desse tempo dedicado ao comércio de produtos nordestinos. É nas casas do norte do bairro que ele e muitos outros migrantes compartilham com os paulistanos a alegria do forró, a melodia do sotaque e a resistência da rapadura.


Pedro é vendedor da Xodó do Norte, um dos estabelecimentos do ramo mais conhecidos no centro comercial de Santo Amaro. A loja fica em frente à igreja matriz - a principal referência -, ao lado das Casas Bahia, e do ponto de ônibus dá para ouvir o alto-falante anunciando o queijo em promoção. Pode ser que pelo nome não reconheçam e, pela agitação, não parem para ajudar quem está perdido ou não escutem o pedido de informação, mas se for atendido, é só perguntar pela casa do norte próxima a um desses marcos que alguém indicará o caminho certo.


Enquanto vende feijão de corda para um e farinha para outro, seu Pedro afirma que São Paulo nada seria sem as pessoas, que como ele, depositaram esperanças e sonhos em uma passagem para a maior metrópole do país. Apontando para o lado de fora da loja, faz um balanço da importância que ele e os demais sonhadores do agreste, da zona da mata e da caatinga têm para essa região, “Aqui em volta é tudo nordestino. O dono daqui (loja em que trabalha) é, essa loja grande de roupa barata aqui do lado é do Ceará, o camelô é. Se a gente sai daqui, olha o tanto de gente que vai perder o emprego”.


O senhor de pele queimada do sol e cabelos grisalhos, muito requisitado pelos clientes por sua experiência e dicas de preparo dos produtos (alguns até exóticos como carne de jacaré), faz parte do maior grupo de migrantes que compõem a população da região metropolitana de São Paulo. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os baianos correspondem a 11% dos habitantes, depois aparecem mineiros (8%), pernambucanos (7%), cearenses (3%) e paranaenses (4%).


A Xodó do Norte é um pequeno indicador da diversidade que caracteriza a capital paulista. Nelson Bernardo nasceu em Minas Gerais, mas tornou-se nordestino aqui, mais precisamente no Largo 13, há cinco anos. Sua dupla regionalidade se deu a partir do momento em que, pela idade avançada e a dificuldade de audição, não era mais contratado pelas indústrias e a única oportunidade oferecida a ele foi vender bolacha, rapadura e manteiga de garrafa. Pelo convívio com os colegas, aprendeu sobre as tradições e a atender os clientes exigentes que chegam à loja já sabendo exatamente o que vão comprar. Antes, considerava-se paulista, pois nem se recorda de como é ser mineiro de verdade, mas o trabalho o tornou nordestino de coração.


Experiência semelhante aconteceu com Albaniza Vitalina. A diarista conserva o sotaque cearense e juntamente com o marido José Miguel, faz questão de ter em casa especialidades da cultura nordestina, como o baião de dois e o mungunzá. Seus dois filhos nasceram no bairro do Jabaquara e conhecem os hábitos da terra natal dos pais, trocam o “r” “enrolado” dos paulistanos por uma entonação aguda e arrastada. Mesmo cultivando em sua casa, no Jardim Ângela, o sítio do interior do Ceará em que foi criada, Albaniza não tem vontade de viver no nordeste novamente. “Depois que você aprende a sofrer aqui, nunca mais quer voltar”, confessou em meio a um sorriso.


Falas como a de Albaniza estão perdendo força de acordo o último censo do IBGE, de 2010. O sudeste perdeu seu potencial atrativo e os estados do nordeste, principalmente Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte e Paraíba estão retendo a população. A esse fenômeno é dado o nome de Migração de Retorno, exatamente o que seu Pedro fará dentro de alguns meses.


Apesar do estado da Bahia manter a característica de estado “expulsor” de mão de obra, o homem curioso, que conhece as belezas naturais do Brasil pelos vídeos do YouTube, fará o caminho de volta para Porto Seguro. Com um ar pensativo, diz que São Paulo não é ruim, mas não há mais nada que o prenda aqui. Sua família já se transferiu para a calmaria e belezas naturais da cidade. “Eu ligo pra lá todo dia e eles (família) dizem ‘tô na praia’, ‘tô na rede’. Pra que vou ficar?”, questionamento bem humorado de quem deixa muito na capital e pouco leva consigo:


- Eu não levo nada de São Paulo. São Paulo é quem tem que aprender com a gente. Sem o nordestino sobra nada, porque o paulista é empregado, estuda para ser empregado de alguém. O nordestino não, o jovem estuda para ter o seu negócio, para ser empreendedor.


Pesquisa do instituto Datafolha de 2014 apontou que 67% dos nordestinos acreditam que os paulistanos se julgam melhores que o restante dos brasileiros e 48% acham que os moradores de São Paulo têm inveja de seus compatriotas. Pedro sai da capital sem ser vítima de preconceito, a noção de superioridade dos paulistanos citada na pesquisa não o atingiu. “Se a pessoa fala que tem preconceito com mineiro, gaúcho, eu nem continuo conversando com ela. Isso só mostra que ela não tem cultura”, desabafou. Contudo, de 125 inquéritos instaurados em 2015 pela Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância de São Paulo), 87 foram denúncias de discriminação de raça, cor, etnia e procedência nacional, a maior parte, nordestinos.


A visão de Pedro para o futuro é pessimista. Para ele, a ideia de que o Largo 13 de Maio é um reduto dos nordestinos está com os dias contados. A migração deste grupo para o local se intensificou a partir dos anos 50, quando Santo Amaro ocupava o posto de maior polo industrial da cidade, um grande atrativo para o mercado de trabalho. O motivo para o fim está no perfil dos jovens:



Na próxima esquina, há outra casa do norte. Mais espaçosa, é mais fácil encontrar os produtos, mas a presença do vendedor se faz necessária. Um deles é Vitor, de 22 anos, nascido em São Paulo, mas mudou com a família para a Paraíba e ficou por lá durante seis anos. Ao voltar, já um adolescente, conseguiu emprego nessa loja. Por sua experiência em atendimento, constatou que é muito rara a presença de um paulistano no estabelecimento, “vem mais quem já conhece, é difícil vir alguém que não sabe”.


Ao ser questionado sobre uma rapadura de boa qualidade, o jovem alto, de alargador e cabelo black power sugeriu um doce feito em Minas Gerais, cuja coloração e textura nada lembrava a barra de açúcar mascavo do sertanejo. Na loja de seu Pedro, há produto semelhante, entretanto, quem pede por rapadura recebe o puro melaço da cana de açúcar, que juntamente com a farinha são a base do sustento das famílias do sertão em épocas de seca.


Ao tocar no assunto da estiagem, Pedro expressa seu descontentamento com a ideia de que sua região natal é uma réplica de deserto. Balançando a cabeça em sinal de desaprovação, dá uma aula de Geografia sem nem mesmo ter concluído o ensino fundamental. “O nordeste todo não é seco, a falta de chuva não é o ano todo. Na Bahia, por exemplo, tem sertão, mas tem cidades com muita água, depende do lugar. O paulista acha que a gente passa sede, mas foi lá entender como a gente usa a água”. – A explicação remete-se à crise hídrica enfrentada pelo sudeste nos dois últimos anos. Na ocasião, o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga considerou o método de cisternas e o consumo consciente dos nordestinos inspirações para a terra que foi obrigada a fechar as torneiras e clamar por chuva.


Aos poucos, a tarde cai e o cenário da Xodó do Norte se altera. Assim como nos sítios do interior, a euforia das primeiras horas do dia dá lugar a tranquilidade e melancolia. Os vendedores, apesar de estarem cansados, não reclamam do trabalho, pois enquanto pesam a carne de sol e organizam as prateleiras, reavivam as lembranças de suas origens e as compartilham com todos aqueles que acreditaram e acreditam que, com muito suor, São Paulo tem o poder de multiplicar alegrias e mudar destinos.


É no Largo 13 que o coração avexado de saudade do nordeste bate no compasso da zabumba, no ritmo da sanfona e bate feliz, porque se sente em casa.


 
 
 

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