top of page

Cinemas de rua paulistanos: a paixão, o orgânico e a resistência

  • Bruna Matos
  • 10 de mai. de 2016
  • 6 min de leitura

A sétima arte marca encontro com o paulistano nos cinemas de rua, que resiste aos grandes shoppings com a ajuda do público


É na rua mais agitada da capital paulista que Paulo Souza, 20, entra em contato com a sua definição do jeito São Paulo de ser. Mora no extremo leste da cidade, mas se sente sortudo por ter sido chamado para trabalhar em uma agência bancária no centro, próxima à Rua Augusta. Isso facilitou a logística de seu happy hour preferido: ir ao cinema. Aliás, o happy hour de muitos outros paulistanos foge do circuito bar-balada e acontece nos cinemas de rua do centro de São Paulo.


Quinta-feira, ponteiro do relógio quase encostando na metade do círculo e marcando o fim do horário comercial. A Rua Augusta parece um desembarque de engravatados impacientes para chegar em suas casas. Paulo é um deles, mas está apressado não por isso e, sim, por chegar ao seu destino: mais uma vez, decidiu esticar a quinta-feira em um cinema de rua e não em um pub. A unidade do Espaço Itaú de Cinema dali, apesar de estar a menos de 300m da principal e mais movimentada avenida da cidade, a Paulista, concentra uma atmosfera calma e intimista. A fila grande não esconde que cinema é mesmo uma coisa muito paulistana. Social, alternativo e casual: alguns, já com ingressos comprados, conversam em um pequeno bar ali dentro montado, que perfuma de café todo o ambiente.


Enquanto espera na fila, preocupa-se em seguir a maré do lugar e contar em tom baixo o porquê de escolher um cinema tão longe de casa:

- Perto [de onde eu moro] não tem cinema assim, na rua. Tem só no shopping, mas eu não gosto muito, não. Além da programação ser muito diferente, quem vem aqui está mais preocupado com o filme do que com o que tem para comprar por perto. Eu não ligo de ser longe, até gosto de ser aqui no centro. É um passeio, né?


O bancário não está ali para assistir um blockbuster. Pelo contrário, depois de engatar papo com um senhor que estava na fila para entrar na sala, Paulo lamenta que a pedida daquele dia – filme nacional e sem atores ou atrizes populares - estava em cartaz apenas em três salas de São Paulo.


Lucas Bandos, morador de Votuporanga e cinéfilo assumido, defende que, nos cinemas de rua, além de encontrar filmes mais difíceis de achar por serem produzidos na Europa, Oriente Médio e Ásia, há uma preocupação em dar espaço aos chamados “cinema de arte” e “cinema experimental” e a produções independentes:

- Na imensa maioria das vezes, esses filmes não ganham espaço nas salas dos principais centros comerciais e, portanto, não têm a oportunidade de atingir o grande público.



Manifesto que aconteceu quando, em 2011, o Cine Belas Artes fechou as portas “para sempre”. O proprietário decidiu vender o prédio aproveitando-se do momento de altíssima valorização imobiliária da região. A reação veio rápido: paulistanos ficaram irados e um movimento pela reabertura do cinema floresceu regado pela esperança de que o espírito cinematográfico da esquina da Rua da Consolação com a Avenida Paulista ressurgisse. Abaixo-assinados e manifestações eram o grito aflito de quem pedia a volta do Belas Artes. No final de 2012, após pressões populares, o CONDEPCHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) tombou o prédio.


Mas foi apenas três anos mais tarde que o cinema reabriu, agora, com o nome diferente: Caixa Belas Artes, referenciando a Caixa Econômica Federal pelo patrocínio que bancou a sua volta. As paredes pichadas e estampadas com cartazes do movimento deram lugar a uma pintura em tom de vermelho quente, que, até hoje, não passa despercebida por quem passa por ali. Talvez, por isso mesmo a escolha da cor: ao virar a esquina, a ressurreição daquele símbolo, após tanta luta, tinha de ser notada. Na reestreia, as filas eram tão longas que chegaram a alcançar a Rua Bela Cintra. Lucas não estava em São Paulo nessa época, mas não deixa de dar graças ao público que lutou pelo Belas Artes. Paulo orgulha-se dizendo que, mesmo apreciando cinema “mil vezes mais” hoje em dia, assinou algumas listas que circularam pela internet no período.


O fechamento dos cinemas de rua chega a arrepiar quem é partidário do “cinema de verdade”. Vitória Batista, universitária, reverencia o cinema de rua com olhos românticos:

- Se você lê ou assiste alguma coisa sobre aquela época de filmes mais antigos, percebe que as pessoas iam ao cinema [de rua] simplesmente porque iam ao cinema. Não era como ir ao shopping para ver se tem alguma nova coleção de roupas e acabar no cinema.


Rodrigo Makray, sócio fundador e diretor criativo da Cinesala, em Pinheiros, não hesita em mostrar a não passividade do público para que os cinemas de rua quedem não apenas no imaginário da cidade, mas no cenário da São Paulo que se reconstrói todo dia em metamorfose parcial:


Em março deste ano, a Prefeitura de São Paulo anunciou a implantação de 20 novas salas públicas de cinema por toda a cidade. A prioridade é uma programação nacional, voltada para o âmbito educacional. A expectativa, segundo a SpCine, é receber cerca de 960 mil espectadores ao longo do ano.


Makray estica a argumentação enraizando essa tendência de valorização do uso do espaço público ao aspecto mais orgânico da cidade, razão pela qual o cinema de rua ainda perdura:

- O cinema de rua está menos para o “fast-food” e mais para um restaurante familiar onde há escala humana e cuidado artesanal com o que é servido e com o ambiente.


Lucas saúda o cinema de rua e segue a mesma linha, agora, comparando-o com a música que encanta o ouvido de quem ainda recorre ao toca-discos para degustar a melodia:

- É praticamente a mesma relação entre ouvir um álbum musical por meio de uma plataforma digital, pelo iPod ou via Spotify, por exemplo, e escutá-lo em vinil, com o som da agulha percorrendo os sulcos do disco e ecoando pelos alto-falantes da vitrola. A emoção é outra.


As primeiras salas de cinema de São Paulo surgiram no centro da cidade no início século XX. Segundo o Sedae (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), em 1955, mesmo com a expansão da televisão, eram cerca de 200 mil lugares de oferta. Poucos deles resistem até hoje. Exemplo disso é o cineteatro Santa Helena. Construído na Sé para competir com o Teatro Municipal, tinha faixada com esculturas, ornamentos e interior luxuosíssimo. Ali, sindicatos e grupos de escritores se encontravam para debater interesses em comum, mas, em 1971, o espaço foi demolido para dar lugar à construção do metrô. Apesar disso, o cinema como adjetivo da identidade paulistana e ponto de encontro continua.


Vitória desembucha que às vezes tem dificuldade em entender “filmes com vários personagens e histórias cansativas”. No entanto, isso não diminui seu gosto pela arte:

- Mesmo assim, adoro [ir ao cinema] porque consigo estar com os meus amigos e dar uma pausa na correria.


Depois do filme, Paulo conta que vários rostos do lugar são conhecidos. Aponta discretamente com a cabeça pelo menos quatro pessoas que diz frequentarem o cinema até mesmo durante os dias e horários mais vazios:

- Agora, que estou trabalhando, não consigo mais vir de tarde, mas aqui tem um público que vem quase todo dia nesse horário. É tipo point. Tem gente que vai dizer que praia de paulistano é shopping, mas eu já acho que a nossa praia está bem mais para o cinema.


O jovem caminha, agora, até a estação Consolação do metrô. Lá, vai fazer baldeação duas vezes até chegar na linha vermelha, onde desce na penúltima parada, Artur Alvim. Depois, ainda vai pegar um ônibus. Apesar do longo trajeto que tem pela frente até chegar em casa, não está desanimado. Pelo contrário, estampa um sorriso no rosto e, de vez em quando, ainda solta alguns comentários do filme que viu no meio da conversa.


 
 
 

Comments


bottom of page