A infância e a vida adulta entre quatro paredes
- João Pedro Xavier
- 10 de mai. de 2016
- 4 min de leitura
A junção da nostalgia dos videogames das crianças dos anos 80 e 90 com a permissão de beber cerveja concedida pela maioridade se encontra num pub da Zona Sul
São Paulo oferece lugares que reúnem pessoas com interesses em comum. Você já deve ter visto e percebido isso a esse ponto. Eles vão muito além de shoppings, museus, parques e baladas. Podem ser associações e festas estrangeiras, feiras com suas próprias particularidades*, e até bares temáticos.
Como no caso do Saloon Pub & Pinball, o templo da cultura gamer e da nostalgia.
Mesas de madeira, ventiladores espalhados pelo teto, luminárias baixas, vacas e cavalos de plástico dispostos nas paredes, e quadros que mostram cowboys da época do velho oeste dão jus ao nome do lugar. E também são os responsáveis por apresentar um dos cenários mais inusitados de São Paulo. Em contraposição ao ar rústico, consoles de antigos videogames estão dispostos em cada uma das mesas, Super Nintendo, Mega Drive, Atari, Nintendo 64, Sega Saturn, e vários outros, cada um logo abaixo de seu próprio monitore. Em cantos estratégicos do térreo e preenchendo todo o andar de cima, fliperamas e pinball acompanham a decoração, levando o visitante a uma viagem histórica pelo que consolidou a cultura gamer que conhecemos hoje em dia.
É a escolha número um entre os bares conhecidos por Bruno Gomes. O estudante de ciências contábeis de 23 anos vê o local como um pequeno refúgio. É onde ele costuma ir para relaxar depois de uma semana estressante. Sozinho ou acompanhado, ele não pensa duas vezes antes de atravessar a cidade com o transporte público para poder tomar sua cerveja e jogar o seu amado Sonic.
Diz-se um gamer nato, o que o torna um ótimo exemplo de extinção do estereótipo “nerd”. Nem gordinho, nem magricela. Nada de aparelho nos dentes, muito menos óculos de grau. As roupas não tem nada a ver com camisas engomadas, suéteres e calças justas**. Bruno é dono de seu próprio estilo casual: blusa de moletom, short cáqui e tênis esportivo. Ele e a maior parte do público do Saloon, pessoas entre 22 e 40 anos de diferentes tribos que poderiam ter sido consideradas “nerds” no passado pelo envolvimento com os jogos que hoje buscam nos consoles antigos do estabelecimento.
Coloque o rótulo que for**, não há vergonha em dizer o quanto se divertiram jogando esses videogames no passado. Quem não comparece pelo combo bebida mais jogo, acaba indo pela nostalgia, como é o caso do Daniel Albuquerque de 26 anos. Sua ligação com o bar é tão grande que ele enche a boca para dizer que o Saloon é sua segunda casa. Eles têm história juntos. Foi ali, jogando uma partida de Street Fighter, onde o ex-estudante de arquitetura e agora estudante de design gráfico decidiu o curso que ditaria seu futuro profissional.
Ele é apaixonado por games desde que se entende por gente, mas quando era criança não tinha dinheiro para compra-los, então vivia jogando na casa dos amigos. Imagine só a felicidade de Daniel quando descobriu um bar onde a única coisa que ele precisava fazer para jogar o tempo que quisesse era consumir algo.
O bar foge do convencional de todas as formas possíveis. Além do cardápio de bebidas e porções, quem visita o pub também recebe um segundo cardápio com os jogos disponíveis, o que é perfeito para Thiago Medeiros e sua namorada, Jessica Brasil. Enquanto ele se diverte mergulhando nas possibilidades de voltar no tempo dispostas na lista de jogos, ela degusta as cervejas nacionais e importadas, além dos drinks com nomes divertidos relacionados a cultura geek. Alguém precisa dirigir, não é?
O lugar é pequeno, podendo acomodar cerca de 50 pessoas sentadas, mas isso não é empecilho para ninguém: nos fins de semana a casa é cheia. Os lugares são disputados por mais do que o dobro de pessoas acomodadas nos assentos. Thiago brinca, dizendo que, quando está no pub com seu grupo de amigos, é como se estivessem nos encontros que costumavam fazer na casa dos colegas durante a infância; ficam a noite toda passando o controle e torcendo um pelo outro.
O dono desse estabelecimento inovador é o Newton Uzeda, o colecionador de videogames de 34 anos. O Saloon foi aberto em 2003, inicialmente como uma lan house. Na época fazia o maior sucesso entre os adolescentes que queriam usar os computadores para jogar. Com o aumento da inclusão digital no decorrer dos anos, o negócio começou a decair. Newton, que sempre quis ir a um bar onde pudesse jogar um vídeogame, resolveu fazer uma reforma e criou novos rumos ao Saloon.
Mal sabia ele que não era o único que gostaria de beber e jogar. Ainda que mais velho do que a maioria, Renato Poletini, de 35 anos, sente como se todos ali partilhassem da mesma infância. Acredita que o pub é o lugar perfeito para reunir gente como ele. E ele está certo. Aqui, não importa a idade, estilo ou a renda. Cada um é só mais um jogador, como era antigamente.
O mais intrigante é poder sentir a energia nostálgica no ar. Seja nos comentários como “eu adorava esse jogo” ouvidos das mesas próximas ou do simples fato de avistar alguém “assoprando a fita” para que ela funcione, somos transportados para uma época muito familiar onde a maior preocupação era conseguir salvar o jogo antes que ele “desse pau” e perdêssemos tudo. Esse é o poder do sentimento de pertencimento que São Paulo nos proporciona.
Você encontra essa junção da vida adulta com a infância na Avenida Mascote, 991, no Jabaquara, Zona Sul.


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